Com sujeira embaixo das unhas
Resenha de Descivilização, por luana adriano, e notícias do programa de parceria
Resenhas da Lua
Foi em janeiro que nossa amiga luana adriano, autora dos principais textos do zine sem tempo (2021), nos pediu uma oficina de encadernação. Aceitamos de antemão (ensinar encadernação é muito gostoso) e combinamos aulas presenciais, semanais e, depois, quinzenalmente, no modesto ateliê da Casatrês. luana perguntou quanto ficaria (quanto morreria na brincadeira) e, em vez de dinheiro, acordamos uma troca de trabalhos.
luana, que também escreve, é uma leitora apaixonada. Assim, antes mesmo de pensarmos no programa de parceria da editora (cujo resultado saiu hoje e, ao final desta niusleter, há uma nota com os perfis selecionados), nossa amiga já era uma parceira. Já estamos na reta final da nossa oficina particular de encadernação (chique, com moderação) e luana começa a resenhar alguns dos nossos livros. Abaixo, sua primeira resenha, cristalina e certeira, sobre nossa primeira publicação estrangeira: Descivilização, de Paul Kingsnorth e Dougald Hine, pela coleção INCIVILIZADA.
manifesto dark mountain: um convite à descivilização, por luana adriano
“a carcaça destroçada de um rio. o bafo quente dos bueiros. o coração apodrecido do progresso. os cheiros que a civilização desistiu de esconder. […] um bando de aves fiesta voa para as montanhas. cães ladram à beira da cidade dolente: ‘deixai toda esperança, vós que entrais’.” — trecho do poema em prosa que dá título ao livro tudo pronto para o fim do mundo, bruno brum (editora 34, 2019).
se você está aqui é porque conhece o trabalho da casatrês, ou me conhece, então deve saber que a civilização humana está em crise já faz um bom tempo & que as coisas nunca parecem estar próximas de melhorar, muito pelo contrário. não adiantou nem fazer o L. por isso, vou partir do princípio de que estamos todos na mesma página: vivemos uma crise civilizatória.
o manifesto dark mountain foi publicado originalmente em 2009. no brasil, o livro saiu ano passado pela editora casatrês. no texto, os autores paul kingsnorth e dougald hine sugerem que as crises — ambiental, econômica, sanitária, política — que experimentamos há décadas se fundam a partir das histórias que contamos a nós mesmos: o mito do progresso, o mito da natureza & o mito da civilização.

o mito do progresso está na base do sistema capitalista, apesar dos autores não usarem necessariamente essa palavra. sem ele, não mantemos a roda girando. precisamos acreditar que as coisas podem sempre melhorar, que a tecnologia deve seguir avançando, que as próximas gerações terão tudo que as anteriores não tiveram — ou quase: no mito do progresso, a perfeição humana deve continuar distante para que continuemos atrás dela. é a história do crescimento infinito que todos conhecemos: só há um caminho a seguir e a direção aponta para cima.
se o mito do progresso conta que o ser humano pode ter tudo, o mito da natureza diz que nada será cobrado de nós. os autores apontam que a própria existência da palavra natureza reflete & reforça a ideia de que somos separados dela, isolados da fonte da nossa própria existência. a controlamos, domesticamos & saímos vitoriosos.
o colapso climático grita nas nossas caras: vocês estão errados! mas não damos bola. alguns poucos que percebem algo errado acontecendo consideram-no um problema isolado & buscam uma solução isolada — sustentabilidade, consumo consciente, créditos de carbono, veganismo de mercado. questionar as bases da civilização é demais, pois não existem respostas fáceis. não dá pra criar um conteúdo no tiktok sobre como resolver a crise civilizatória se fizermos as perguntas certas.
o mito da civilização, por sua vez, se ergue na crença em nós mesmos — nossa superioridade e indestrutibilidade — & na negação de que nosso modo de vida nos trouxe à era do ecocídio. esquecemos, porém, que as civilizações sempre caem. quem diz isso é a própria história.
se a crise civilizatória tem suas bases nos mitos que acreditamos tão profundamente, manifesto dark mountain sugere que precisamos contar novas histórias e que é papel dos artistas, especialmente aqueles que usam a palavra, abrir o caminho.
com a arte & o que os autores chamam de escrita descivilizada, colocaremos a civilização em perspectiva a partir de histórias escritas “com sujeira embaixo das unhas”: existindo no caos & registrando-o com sinceridade, sem negá-lo e sem buscar soluções temporárias; encarando as perguntas difíceis e usando da arte não para respondê-las, mas processá-las, mesmo que continuem sendo apenas perguntas; ou, quem sabe, sujando literalmente as mãos de terra e sentando para escrever sobre a experiência em seguida. por fim, ao autores nos fazem um convite: subir a montanha, explorar suas trilhas e construir, em conjunto, a descivilização.
“descivilização, que conhece as suas falhas porque tem participação nelas; que olha sem pestanejar e se cala enquanto registra — este é o projeto em que devemos embarcar agora. esse é o desafio que a escrita — a arte — deve encarar. é para isso que estamos aqui.”
O programa de parcerias
Demoramos mas decidimos. Com certa dificuldade, quase dor de cabeça e aperto no coração. Porque as 44 pessoas que se inscreveram no programa de parceria da Casatrês eram interessantes, cada uma a seu modo, simplesmente. Cada resposta tinha um atributo que nos instigava. Daí a dor e a dificuldade: de 44, ter que selecionar apenas 5.
Quebramos nossas próprias regras e, ao final, selecionamos 6 perfis. Além disso, separamos uma lista de suplentes, para futuras temporadas do nosso programa (daqui a cinco meses, devemos abrir outra chamada).
Agradecemos, de coração, a todas as pessoas que investiram tempo e demonstraram vontade de ler e resenhar nossos livros. Também as parabenizamos pela criatividade e talento. Eis os 6 perfis selecionados — mais especificamente, 8 mamíferos: 7 pessoas e um cachorro, porque @gabodoslivros é um casal e um dog. :)
Matheus dos Anjos
Laura Navarro
Isadora Cecatto
Alex Xavier e Dani Rosolen
Renato Rodrigues
Emílio Freire