Casatrês editora

Share this post

E-mail para Jeff Bezos (com cópia para Elon Musk)

casatreseditora.substack.com

E-mail para Jeff Bezos (com cópia para Elon Musk)

Atenciosamente, um latino-americano que quer você na Terra

Casatrês editora
Feb 28
2
Share this post

E-mail para Jeff Bezos (com cópia para Elon Musk)

casatreseditora.substack.com

Caro Jeff Bezos,

O motivo do meu contato é expor meu repúdio ao seu monopólio e a tudo o que ele representa para a sociedade e para o planeta. Paralelamente, também apresento meu repúdio a aspectos da sua personalidade megalomaníaca.

Talvez eu devesse escrever um pequeno livro para argumentar todas as críticas que tenho ao seu estratosférico negócio, hoje o maior do mundo, e à sua atuação pública. Antes, prefiro escrever apenas este e-mail, não tão breve como gostaria, porém franco e objetivo, pois tenho pressa para endereçar minhas revoltas e, além do mais, escrever um livro de críticas dedicadas a você e suas propriedades poderia gerar o interesse de algumas pessoas, mas desconfio que não seria comercializado pelo seu monopólio de vendas digitais, uma grande vitrine que, com a imposição de um modelo de negócio coercitivo, para não dizer tirano, vem combalindo, para não dizer massacrando, pequenas e médias livrarias e, consequentemente, toda a cadeia que sustenta o setor do livro.

Falo isso com certa propriedade: sou um minieditor (perceba: não um editor, mas um minieditor e, frente ao seu negócio, talvez um nanoeditor) de livros e estou atualizado sobre as transformações do mercado de livros no Brasil. Os livros que edito e publico, sempre em pequena tiragem, não são vendidos na sua plataforma, porque decidi que assim fosse: uma vez que tenho repúdio ao seu monopólio e sei das agruras que ele causa no setor em que trabalho, o boicote contra a sua empresa é um gesto que considero imprescindível. Ajo assim também como consumidor: pago um pouco mais caro e adquiro o produto no site da editora, nas livrarias físicas, porém jamais através do site da empresa que você fundou.

O motivo do meu contato, no entanto, não é para falar do mercado de livros.

Fonte: Getty Images

Em 20 de julho de 2021, você e mais três pessoas, todas civis, a bordo de uma nave sem piloto, fizeram uma bem-sucedida viagem ao espaço.

Para mim, mais representativo do que sua excursão e propagandas adiantadas de turismos espaciais são as razões e as intenções dos seus massivos investimentos na colonização do espaço. Em entrevistas, você já afirmou que o único modo de usar sua absurda fortuna é investindo em viagens espaciais, porque as considera incrivelmente importantes para a civilização no longo prazo. Entusiasta do mito do progresso, também disse que a humanidade vem melhorando ao longo dos últimos séculos e que, se mantivermos o progresso contínuo, garantindo vidas melhores às próximas gerações, devemos ir ao espaço — e isso não será opcional.

Suas falas me soam absurdas, de alguém que parece já não viver as ocorrências do mundo. E eu pergunto: como pode sua vida de bilionário ter sido capaz de te alijar de tal maneira das realidades terrenas? O seu desejo de conquistar o espaço é em legítima ação ao progresso humano ou uma espécie de fuga covarde do mundo hostil que você está ajudando a produzir, como um troglodita que vandaliza um ambiente organizado e sai de fininho, pela porta dos fundos, para não assumir a responsabilidade dos próprios atentados?

Talvez esse seja o traço mais pungente da sua pulsão: se apropriar de algo cuja realidade você não conhece, nunca entrou em contato profundo, abusar da sua força, seja ela simbólica ou material, para um fim outro, muito distante, quem sabe oposto. Foi assim com a sua empresa: deu a ela o nome Amazon porque se inspirou no maior rio do mundo, o Amazonas, e, de certa forma, na Amazônia, esta que, curiosamente, desde seu nascimento, em 1964, vem sofrendo sucessivos ataques, através de incontáveis tipos de degradação.

A realidade da Amazônia é tão antagônica à da sua Amazon: enquanto o bioma queima e fica cada vez mais pobre, sua empresa se expande e acumula um capital sem precedentes na história da civilização; enquanto o bioma perde, cada vez mais, seu próprio espaço e sua biodiversidade, sua empresa conquista, a cada segundo, mais um espaço no globo e maximiza suas frentes de atuação.

A lista de exemplos que antagonizam a Amazônia da Amazon é quase infinita. Para todo caso, a primeira míngua desgraçadamente, enquanto a segunda cresce prodigiosamente. Se essa lógica perdurar, em pouquíssimo tempo vamos nos defrontar com um dilema excruciante e substancial: o que é mais importante para a vida: a imensa floresta que produz o ar que respiramos e a água que bebemos ou qualquer produto — de um kindle a um patinete, uma assistente digital a uma furadeira — que seu site vende por um preço tão em conta, com uma entrega tão rápida? O que é mais essencial, afinal: a floresta viva ou a floresta morta porque você, com todo poder que tem, não colaborou em nada para sua preservação e segurança e, em partes, contribui com sua trágica sentença ao explorar seus recursos para exponencializar suas infinitas quinquilharias?

A derrocada da floresta não está desassociada da prosperidade do seu monopólio. Hoje sei que a Amazon está interessada em fincar suas garras até na agroindústria, a fim de prosperar o que alguns especialistas chamam de ruralismo digital, ou plataformização do campo: em síntese, tecnologias como algoritmos e inteligência artificial a serviço da otimização dos modos de produção do agronegócio, isto é, a otimização da devastação ambiental.

Interrompo os exemplos, retorno com as questões: quais são os custos para manter seu progresso? Sobre que terra a estrada do seu desenvolvimento está pavimentada? Quem se beneficia com esse progresso? Penso nos seus complexos, nas suas feridas clandestinas. E suspeito de uma estratosférica insegurança, um medo da morte fora do comum, um pavor do devir, uma aversão à contingência da Terra. Por isso tão exibido, másculo, falocêntrico, aprumado, abonado. Por isso, talvez, sua necessidade de acender sua luz artificial, a todo custo, no escuro do espaço. Suas missões espaciais, concluo, são uma fuga ao mesmo tempo ardilosa e desesperada, fuga de si mesmo e do único lugar que conhecemos neste universo capaz de gerar a vida que você finge não degradar.

Mais de 210 mil toneladas de lixo plástico produzidas no ano passado, o equivalente a 500 voltas no planeta em plástico bolha: esse é apenas um dos impactos que causa a empresa que você criou. O legado do progresso: a Terra sufocada por 500 voltas de plástico bolha. Sentir-se sufocado, aliás, também é a realidade de milhares de funcionários precarizados do seu monopólio.

Muitas pessoas que criticam as atividades do seu monopólio e suas condutas, sobretudo a que diz respeito à exploração espacial, desejam que você, em alguma das tantas viagens que pretende fazer, vá e não volte mais. É quase um lema dos seus detratores: já que quer tanto colonizar o espaço, então que vá, e fique. Em contrapartida, não desejo que não volte, pois não desejo nem que vá. Ao contrário, quero que fique, bem aterrado, bem preso ao mundo. E que seu propósito, sua grandiosa missão de investir na colonização do espaço, em prol do progresso da civilização no longo prazo, seja um retumbante fracasso.

Quem sabe assim você se reoriente. Quem sabe assim você fique por aqui e arque com os danos que tem causado ao planeta, crie responsabilidades e juízo, limite e decência: se aterre e colabore. Enfim, que subverta a natureza de quase todas as suas atividades econômicas, políticas e sociais. Como é muito difícil de imaginar que um dia isso aconteça, pelo menos enquanto ainda estiver vivo, é certo que repassaremos toda essa imensa e pesada dívida aos seus herdeiros, aos seus principais sócios, grandes empresários, multibilionários, líderes da companhia que você fundou e, de uma hora para outra, decidiu não estar mais à frente.

Quem fala assim, com certa arrogância, como um pai fala para um filho adolescente imaturo, é um jovem de 28 anos, brasileiro, minieditor de livros que atentam contra seus ideais e modo de vida, que disseminam ideais e modos de vida opostos ao seus. Falo como um pai que não sou, para um filho que você não é, porque digo através da cultura da qual faço parte, contra a cultura à qual você pertence: os poderosos do seu país, as ideias mais caras à sua cultura, agem como uma criança mimada, frágil e egoísta que quer tudo para si, não aceita dividir, tampouco perder, sequer admitir os estragos que tem feito ao longo dos últimos séculos. Eu e minha gente, em compensação, falamos do lugar dos que continuam apanhando e perdendo, mas que não perderam a luta final, menos ainda o juízo e o esclarecimento e, por tudo que viveram, produziram fibra e força, um afiado senso de justiça, uma enorme maturidade. E agora estamos dispostos a atravessar o ecocídio que você, seus sócios e os ideais da sua gente produziram. Estamos dispostos a viver esse período árduo, mas não sem lutar por justiça.

Ainda há muitas coisas há dizer. Deixo para outras oportunidades. Fico à disposição para um diálogo.

Atenciosamente,
um latino-americano que quer você na Terra


O texto acima compõe a seção E-mail para dois bilionários (endereçados para Jeff Bezos, da Amazon, e Bill Gates, da Microsoft), do livro Retalhos (disponível aqui), do nosso editor e escritor Felipe Moreno.

Share this post

E-mail para Jeff Bezos (com cópia para Elon Musk)

casatreseditora.substack.com
Previous
Next
Comments
TopNewCommunity

No posts

Ready for more?

© 2023 Casatrês editora
Privacy ∙ Terms ∙ Collection notice
Start WritingGet the app
Substack is the home for great writing