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Fotossíntese da voz

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Fotossíntese da voz

Um breve relato vegetal, por Marília D. Jacques

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Feb 7
3
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No último sábado, comemoramos o lançamento da segunda obra da coleção haimi: Fotossíntese da voz, de Cristiane Guimarães, veio para se irmanar com Enquanto as roupas secam, do também professor de língua portuguesa William Feitosa Junior (Teresina-PI). Foi uma celebração íntima, como pede a obra. Algo que permitisse a apreciação do tempo, do vento, das frutas e das amizades de longa data. Uma reunião singela, mas com a força de um nascimento. Como bem manifestou a poeta Catia Cernov ao microfone, depois de ler dois poemas — um dela, feito na hora, e um de Cris: “Escrever é gestar, editar e publicar é parir, e lançar o livro é colocar uma roupa bem linda na criança e mostrar para a tribo”.

Fotossíntese da voz, com apresentação de Victor Anselmo Costa, é uma síntese de haicais e outros poemas-narrativas escritos durante o doutorado de Cris, do qual também se desdobrou uma versão digital chamada Caderno de notas: fotossíntese da voz (disponível para baixar de graça no nosso site).

Materializar a escrita vegetal da autora dentro da coleção haimi foi uma alegria. Para colocar sua relação com as plantas no livro, fiz um processo simples, pode-se dizer lúdico, de imprimir o relevo das folhas com giz de cera numa folha de papel. Essas impressões produziram imagens que abrem cada capítulo-estação do livro.

Em 2021, quando começamos a editar a tese e o Caderno de notas, Cris nos presenteou com galhos de amoreira, que tive o prazer de plantar e assistir brotar, perder as folhas no inverno e explodir de brotos na primavera, quando pude colher amoras e fazer uma tinta intensa com álcool de cereais. Os ciclos das estações, presentes em cada canto de Fotossíntese da voz, se fizeram presentes em uns poucos litros de terra.

A amoreira protagoniza os processos de escrita da autora. Os marca-páginas, que na coleção haimi contêm a biografia das autoras e autores, foram tingidos com essa tinta. Foi mais uma das formas que encontramos de grafar a obra com plantas.

Amoreira


Eu quero comer tudo.
Mastigar cada migalha do passado que teima em me visitar na manhã de sábado.
Quero mastigar a teimosia das palavras, dos afetos, daquela sensação boba de menina.
Mastigar as vírgulas mal colocadas e todas as reticências do tempo de fusão,
daqueles momentos insensatos que a existência era uma só
e podia deitar na relva para olhar as estrelas sem receio de ser pega.
Sem nome, sem passado e nem futuro.
E que o guidão da bicicleta era o único toque e espaço e tempo que importavam.
Mastigar as honrarias e as vergonhas.
As redações e as medalhas.
Todos os constrangimentos das palavras malditas.
E todas as histórias inebriantes de amor que os pássaros me contaram.
Quero mastigar os filamentos.
Mastigar meu passado, meu presente e meu futuro.
Enquanto não aprendo a ruminar e vomitar o projeto do fio da seda rica e fina
e que passeia nos vestidos chiques da cidade.
Quero a seiva vegetal circulando em minhas veias.
E não mais sentir vergonha do que fui e do que serei.
Mastigar meu passado.
Meu presente.
Meu futuro e de novo e de novo.
Quero mastigar a voz que entrega a menina que fui e teima em não dormir.
E apertar tanto a palavra-lagarta até ela explodir seu caldo gelatinoso e claro.
Límpido.
Eu quero a sonoridade das lagartas comilonas devorando o passado e o futuro.
Quero o casulo semente.
Outro mundo. Borboleta.

No (quase) extremo sul da Ilha de Santa Catarina este delicado trabalho se fez visível, audível e tátil. Um encontro suave com frutas roxas, guacamole e água saborizada, criança brincando na poça de chuva, música ao vivo, poesia, abraços ternos e algumas lágrimas, de frente para o que consideramos a rotatória mais bonita da cidade, no Empório Lamiró.


No próximo sábado, a partir das 16h, estaremos no Sarau Ambulante expondo nossos livros e cadernos, junto a artistas da cidade e articulações culturais do Ribeirão da Ilha. Num bar? Numa livraria? Não, num caldo de cana! <3 Ainda estou me recuperando dessa informação.

Vai ser no Caldo de Cana do Seu Pedro (Rod. Baldicero Filomeno, 16951 — Ribeirão da Ilha).

Quem quiser expor sua arte ainda pode se inscrever aqui.

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