Uma história brega sobre amor e edições manuais
A história da Casatrês é cheia de pequenas coincidências bonitas. Recordações compartilhadas por Marília D. Jacques
Tenho uma tendência à cafonice e me emociono com histórias românticas das mais ultrapassadas, mesmo nestes tempos pós-modernos e vivendo numa bolha político-ideológica de furor não-monogâmico. É que sou leonina, poderia dizer — aproveitando as referências astrológicas que pretendo incluir neste relato de amor e edições manuais —, minha natureza é gostar de um exagero, um drama, lágrimas e tapetes de crochê combinando com a capa do galão de água.
O fato é que a história da Casatrês — que é a história de Marília & Moreno — é cheia de pequenas coincidências bonitas, dignas de compartilhamento com aquelas que nos acompanham e, inevitavelmente, todos esses acontecimentos compõem as camadas do que é a editora.
12/12/2018
Morava no Campeche, bairro de praia no sul da Ilha. Certo dia, como muitos outros daquele verão, fui à praia com minha comadre e companheira de casa. Na restinga, esbarramos com um jovem bronzeado, de camisa aberta e chapéu, uma cestinha na mão, Boa tarde, meninas. Conhecem kumbayá? É um fumo de flores e ervas, tenho com ou sem tabaco, nos pacotinhos ou cigarrinho solto.
Meus olhos se arregalaram em seus olhos castanhos, redondos, rútilos, Você é parente do Pietro? Não… Mas de onde você é? De São Paulo. Ah… é que é muito parecido, qual o seu nome? Felipe, e os de vocês? Mariah e Marília.
Bois e vacas saíram das moitas brutas atrás de nós. Entreolhamo-nos, um pouco apreensivos, um pouco enternecidos. A mão na cintura, a cestinha de kumbayá, o chapéu, a camisa aberta. E meus olhos nunca mais foram embora daqueles olhos, que viram os bois e vacas e sentiram compaixão, Pena que provavelmente vão para o abate em breve, tão lindos.
Nos despedimos e seguimos caminho, me sentia como que atropelada, e Mariah profetizou, Vocês ainda vão se pegar.
Dezembro de 2018 – Janeiro de 2019
Minhas idas à praia se tornaram ainda mais frequentes. Caminhava obstinada entre os turistas, olhos acesos buscando a camisa, a cestinha, o chapéu. Encontrei-o algumas vezes, conversávamos brevemente com o coração disparado, mas não trocamos contatos.
Um dia fui visitar a Bárbara e contei da minha busca. Ela já o havia visto, Eu acho que minha amiga comprou esse kumbayá, será que tem o número dele no pacotinho?
E tinha.
E mandei mensagem.
E nos encontramos, à noite, na beira da Lagoa Pequena.
Fevereiro de 2019
Apaixonados, enfiados no quarto há dias. Moreno me conta dos seus processos de escrita, que já foi rejeitado e ignorado por muitas editoras, que não vê como poderá, um dia, ser publicado. Mas tu nunca pensou em fazer um zine e vender por uns dois reais? Um o que? Zine, esses livretinhos bem roots, feitos no xerox mesmo, com umas colagens e tal. Ah, sim, eu não tenho ideia de como fazer isso.
Tiro da prateleira (que, na verdade, é uma caixa de feira) os livros que uso para fazer colagem. Passamos a limpo alguns textos do Moreno, levamos para imprimir no chaveiro/internet/xerox ao lado da tabacaria/revistaria e nos trancamos no quarto por mais alguns dias, recortando e colando frases e imagens.
Mariah disparou, em meio a uma risada, Vocês são muito o casal casa três.
A casa 3 – Comunicação e aprendizagem
A terceira casa é considerada a porta para o conhecimento, a distinção das coisas, o senso de comunidade e a comunicação entre as partes, representando todos os assuntos relativos à comunicação.

Seguem alguns aspectos envolvendo os quatro planetas que se posicionam na Casa 3 da nossa Sinastria, segundo alguns sites de astrologia:
Sol na Casa 3
O Sol na casa 3, no mapa conjunto, favorece os relacionamentos nos quais a comunicação e a troca de ideias sejam importantes. Nos relacionamentos comerciais e profissionais, este posicionamento favorece as associações na área da comunicação.
Vênus na Casa 3
A presença de Vênus na casa 3 no mapa conjunto significa que, juntos, vocês terão um interesse intelectual pela beleza que talvez nunca tenham percebido individualmente.
Sol Conjunção Mercúrio
A conjunção entre o Sol e Mercúrio no mapa conjunto significa que haverá muita atividade mental neste relacionamento. Trata-se de um aspecto bom para a comunicação verbal entre vocês.
Sol Conjunção Vênus
A conjunção entre o Sol e Vênus no mapa conjunto é uma das maiores indicações de um relacionamento amoroso entre duas pessoas, mesmo numa amizade.
Vênus Conjunção Marte
Com uma conjunção entre Vênus e Marte no mapa conjunto, a intensidade dos sentimentos entre vocês será altíssima.
De Casal Faxina a Casatrês
Em maio de 2019, decidimos trabalhar juntos, fazendo faxina (e ficamos famosos como o Casal Faxina nos grupos de classificados da cidade, em publicações com mais de 10 mil curtidas; fomos reconhecidos na rua e no restaurante universitário, mas isso é outra história). Era o meu último ano da graduação em biologia e meu orientador sugeriu publicar o trabalho de conclusão como livro (publicado como Cozinha: atravessamentos e desimportâncias pela Casatrês em 2020). Moreno, por sua vez, escrevia sem parar. Como acontece com muitas editoras independentes, nosso impulso foi a vontade de autopublicação. Entre uma varrida e outra, começamos a imaginar uma editora.
Muito rapidamente, nos surgiu a imagem do galo, comunicador natural, anunciador de toda alvorada.
O nome nos ronda desde sempre, então foi só deixar sair da boca: Casatrês.
No fim do ano, nos mudamos juntos para a casa onde fundamos a editora, com registro do CNPJ no dia 03/12/2019. (Curiosamente, as somas da data resultam em 3:
03 / 1+2 = 3 / 2+0+1+9 = 12 = 1+2 = 3.) E fizemos nosso primeiro investimento: duas mesas de corte, dois estiletes, duas dobradeiras de bambu, duas réguas de metal e um agulhão.
Em fevereiro de 2020 paramos de fazer faxina para dedicar todo o nosso tempo ao projeto que virou nosso motor, alimento, angústia e presença no mundo.
Novembro de 2019
— Eu gostaria de pedir a ligação da internet de vocês.
— Qual o endereço?
— É Desembargador Pedro Silva, 2668.
— Qual o complemento?
— Olha… não sei. Acabamos de nos mudar. Aqui é um bloco que tem uma farmácia, uma loja de piscinas, uma clínica odontológica, salão de beleza, e a nossa casa, nos fundos de tudo isso, mas a entrada não é exatamente nos fundos, é pela lateral da piscina que fica exposta na loja de piscinas.
— Ah, sim, estou vendo aqui no mapa. A de vocês é a casa 3.
Quase sempre, quando estamos expondo em feiras, as pessoas veem os livros que o Moreno escreveu e me perguntam, E você, escreveu o quê?
Eu costumo responder que Só escrevi uma vez, o meu TCC, esse aqui com a capa em papel kraft, mas não escrevo mais, hoje em dia só diagramo o livro dos outros (risadinha sem graça).
Mas não é verdade. Sempre anoto um sonho ou uma raiva num caderninho sujo.
E a despedida da nossa primeira casa-editora me mobilizou o suficiente para escrever um zine sobre nossa vida lá, a casa, a mudança.
Ele se chama 2668, CASA 3, e a conversa do Moreno com o atendente da Claro é o texto de abertura. Como muito do que fazemos por aqui, ele é fragmentário, um pouco esquisito e permeado por banalidades cotidianas com algumas reflexões. Se você leu a nossa história cafona de amor e artesanato e quer saber mais umas fofocas sobre o que aconteceu depois, além da razão da nossa mudança, o zine traz algumas respostas (com imagens) — além de uma bela costura com pontos de crochê.
2668, CASA 3 ainda não está disponível no site, mas está em pré-venda, com valor promocional de R$ 24, e pode ser encomendado por aqui, basta responder a este e-mail.