Como muitos outros projetos artísticos e editoriais, começamos a Casatrês na pandemia. Vivemos virtualmente o início do nosso projeto, fizemos live, montamos loja virtual, tentamos de tudo (e continuamos tentando muitas coisas) para conseguir vender pela internet.
(E, como já falamos em outros momentos, está cada vez mais difícil.)
Quando descobrimos as feiras, um mundo novo se abriu. A Miolo(s) e a Estopim, principalmente, trouxeram uma perspectiva refrescada do que pode ser mostrar e vender nosso trabalho. A materialidade do que fazemos precisa ser vista com as mãos, e montar uma banquinha supre a necessidade e aflora a beleza de pegar no texto; ler um trecho em papel; raspar o dedo na tinta de argila; virar e ver de todos os ângulos; perceber que, sim, fazemos tudo do início ao fim, pois cada exemplar tem seu “defeitinho”.
No momento, estamos nos dedicando a estar no máximo de feiras possível (arroz de feira?), porque é o que consegue nos proporcionar o mínimo de sustentabilidade financeira, mas não só. As feiras também têm um poder afetivo imenso.
Como editoras, artesãs e apaixonadas por livros, leitura e arte gráfica, podemos estar próximas de quem faz coisas incríveis. Flanar pela feira olhando tudo, perguntando sobre a impressão, as técnicas, as gambiarras; olhar até cansar, até não conseguir absorver mais nenhuma informação; entrar num estado de euforia e empolgação ao conversar com nossas parceiras de profissão, fazer amizade, trocar publicações, descobrir gente que estava ali o tempo todo, só você não viu; trocas afetivas que já são quase íntimas pela paixão em comum; inspiração estética, temática, técnica; conhecer gente que já nos acompanhava e admirava, conhecer gente que já acompanhávamos e admirávamos; comer coisas gostosas.
Eu poderia ficar o dia todo listando como estar em feiras é bom, gratificante, um abraço na alma artística. Mas vou me limitar, agora, a comentar sobre alguns encontros da última feira que participamos (organizada pela Letraria), no dia do livro, porque ela foi dedicada às editoras independentes de Florianópolis: Caiaponte edições, Editora Caseira, Cultura e Barbárie, Editora Nave, Noa Noa / Instituto Casa Cleber Teixeira, Périplo Editora, Pi Edições, Selo Patifaria e a Corrupiola, com suas belíssimas ferramentas para encadernação.
Noa Noa (1977–2013)
Em 2019, pouco antes de fundarmos a Casatrês, tivemos o prazer e a sorte de esbarrar com uma exposição de editoras independentes no CIC (Centro Integrado de Cultura, em Florianópolis). Lá vimos, pela primeira vez, a Noa Noa. Ficamos absolutamente encantadas com a leveza estética, a preciosidade que era cada uma daquelas publicações. E, quando vimos que tudo aquilo tinha acontecido em Florianópolis, numa oficina de tipografia, nossos corações se encheram de graça.
Recentemente, pudemos conhecer a oficina do Cleber Teixeira (poeta, tipógrafo, editor-fundador da Noa Noa), que está do jeito que foi deixada por ele antes de falecer — agora, a Tina Merz (designer de mão cheia, estudiosa, promotora/entusiasta da cultura gráfica) cuida do acervo e da oficina. O local foi transformado num instituto e espaço para preservação da obra do Cleber, além de contar com uma biblioteca recheada e que pode ser consultada por estudantes e pesquisadoras/es da área da tipografia e da literatura. Nossa visita foi para prestigiar o lançamento do livro Seleção Tipográfica, da Mary Vonni Meürer (um alívio para quem tem que escolher fontes com frequência, mas se formou em biologia), da coleção que o querido Du Cazon está coordenando na Editora Insular.

Apesar de não produzir mais desde o falecimento do Cleber, a Noa Noa ainda tem um estoque dos livros que ele produziu ao longo do tempo, e a Tina levou os títulos para a feira. Se tiverem a oportunidade, olhem o catálogo. São verdadeiras joias gráficas, literárias e tipográficas. Depois de muito admirar e tentar me decidir, comprei um calendário de 1989 com desenhos de paisagens de Florianópolis que, por uma bela coincidência, coincide exatamente com o calendário de 2023. E ganhei notas fiscais da Noa Noa. Eu quase chorei.
Pi Edições (2020)
É curioso como algumas pessoas nos rondam e cruzam com nossas vidas em momentos tão diversos. O Eduardo Silveira é uma dessas pessoas. Ele dá aula onde eu fiz ensino médio e, embora não tenha sido meu professor, nós nos conhecemos do departamento de artes, o meu lugar preferido do mundo naqueles tempos difíceis de adolescência. Na graduação, ele foi supervisor de um dos meus estágios em docência, nessa mesma escola. E ele também foi um dos avaliadores do meu TCC (que virou o Cozinha).
Em 2019, também um pouco antes de fundarmos a Casatrês, ele lançou O Senhor Toshiaki, em parceria com a Editora Caseira, do Gustavo Reginato: o primeiro lançamento de livro que presenciamos. E nos marcou profundamente porque, naquele dia, ele e o Gustavo levaram os equipamentos usados na produção, e o Du preparou uma espécie de diagrama minucioso com os processos de artesania do livro. Na época, não tivemos dinheiro para comprar um exemplar mas, na feira, finalmente tivemos a oportunidade de adquirir o nosso.
Não há nada que eu diga que possa realmente abarcar a riqueza que é a simplicidade desta história (contada em um livro de fabricação nada simples). Mas posso afirmar que terminei de ler com os olhos marejados e os dedos satisfeitos.
Em 2020, Du e sua companheira, Fran, deram nome aos seus experimentos editoriais e fundaram a Pi Edições. No dia da feira, eles lançaram mais uma produção impecável do Du: Mirabile plantae.
Como bióloga, editora-artesã, tia das plantas e viciada em ficção, não tive opção, a não ser me encantar pela: sofisticação imaginativa da escrita — imaginação que, aliás, o Du leva para a sala de aula de um jeito lindo —, trazendo sempre os vegetais como seres que tramam relações com os humanos e entre os humanos, com tom de caderno de naturalista; pela composição do texto todinha em máquina de escrever, o tipo de decisão que dá vontade de desistir no meio, mas produz um resultado genial; pela variedade muito acertada de papéis, uma experiência deliciosa para os olhos e os dedos, trabalhando com transparências (o que também aparece n’O Senhor Toshiaki); e as ilustrações das plantas inventadas, justamente nessas transições com transparências, o que me fez todo o sentido quando penso que o que é imaginado existe, mas escapa, se desfaz:
Feira Motim
Nossa próxima feira é a Motim, em Brasília. Vai ser nossa primeira vez no Cerrado, estamos bem felizes. Lá, vamos lançar presencialmente água de romãs (kuzman) e Chama com dois olhos andando (Ezus). Vai ser na Galeria dos Estados, dias 6 e 7 de maio, das 11h às 18h, com entrada gratuita.
A produção para a feira está a todo vapor e, por isso, não conseguimos cumprir com o prazo de divulgação das pessoas selecionadas para o nosso programa de parcerias. Esperamos poder fazer isso em breve, mas é possível que só aconteça quando voltarmos de Brasília.
Até a próxima e, se puderem, apareçam :)